O Vigilante do Tempo, um ser etéreo que habita uma das torres da igreja no centro de Barão de Cotegipe (a outra é ocupada pela Dona Morte), dias desses resolveu praticar seu esporte predileto: descer da torre e assumir a personagem de um dos habitantes. O vigilante viu um velho corcel azul se deslocar vagarosamente pelas ruas da vila. Dentro, um senhor e um jovem se dirigiam à barbearia. 

Achou os personagens interessantes e se juntou a eles na entrada da barbearia. Sorridentes, os barbeiros os receberam. O senhor era um velho conhecido da casa. Há mais de 60 anos frequentava a barbearia duas vezes por semana. Os barbeiros puxam assunto enquanto fazem o serviço. 
O Vigilante observa velhos cartazes pregados na parede quase sem tinta. A casa tem mais de 50 anos. A madeira, já desgastada pelo tempo, abre longas frestas na parede e no teto. O assoalho, em desalinho, luta para não afundar de vez. Um dos calendários pregados tem mais de cinco anos e traz a foto de cinco gêmeos que nasceram em uma cidade do Oeste de Santa Catarina. Ele imagina como estariam hoje estas crianças. 

O outro cartaz convida para um bingo realizado dois anos atrás. A foto, amadora, mostra uma dúzia de eletrodomésticos espalhados pelo quarto. O barbeiro pega e quebra uma gilete ao meio e introduz no seu velho aparelho de barbear. Sei que a operação será dolorida, como das outras vezes. A gilete corta a pele, o sangue escorre. O barbeiro comenta que ela possui muitos redemoinhos no pescoço. É verdade. Para estancar os ferimentos, o barbeiro usa uma mistura de água com álcool que faz cerrar os dentes de dor. 

Lágrimas involuntárias correm dos olhos. Mesmo assim, o jovem quer manter o ritual, como uma forma de carinho e respeito para o com o senhor mais velho. Feito o serviço, entram no carro e param novamente em frente a outro velho personagem. Um alfaiate que resiste a indústria da confecção com sua velha máquina de costura. O alfaiate tira as medidas para fazer uma calça de tecido que não amassa. É outra tradição que o jovem quer manter com o senhor mais velho. 

Feito o pedido, os dois embarcam no corcel e vão embora. O dia está acabando. O vigilante deixa seu personagem e volta para o alto da torre. O sol se põe no horizonte. O ser etéreo sente melancolia, vazio, saudades e alegria por estar junto com este povo. A vila é bonita. O vale é encantado, o ar é puro e as pessoas..., bem, as pessoas são boas. O vigilante olha para a torre vizinha. Dona Morte não apareceu hoje, teve seu dia de folga. O sol desaparece. O momento entre a noite e o fim do dia é magnífico. 

O vento para, as pessoas caminham tranquilas, o ar está leve, uma palha de milho rola solta na rua, crianças gritam em suas bicicletas, Vênus desponta no leste, as luzes pipocam pela Vila. No céu, milhares de estrelas emolduram a lua. Satélites riscam o infinito. Vagalumes correm pelo escuro. Casais gemem afortunados. As árvores descansam. Os sentimentos correm soltos. É hora de desligar.

1 Comentários

  1. Olá Jorge! Como cotegipense,mas resido em Santa Maria-RS; fico muito satisfeito em conhecer teu blog. Nós oriundos desta terra , ao ler teus artigos sentimos uma saudades imensa de nossa infância e sugiro que este teu blog consiga algum dia reunir as gerações anos 50-60 na nossa querida cidade. Abraços João Martins (jcrmartins@globo.com)

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