Cléo de Páris, durante o show Phedras por Phedra -
foto: Marcos Aspahan/Divulgação



A entrevista abaixo foi concedida ao site de Miguel Arcanjo Prado  e publicada em 28 de abril de 2016 (www.miguelarcanjoprado.com/) 

Após três anos afastada do grupo Os Satyros, do qual é musa maior, a atriz gaúcha Cléo De Páris está de volta a uma peça da trupe, na praça Roosevelt, em São Paulo, no posto de protagonista de Justine. A obra adaptada e dirigida por Rodolfo García Vázquez a partir de Marquês de Sade encerra a remontagem da Teatralogia Libertina pela companhia, junto de A Filosofia na Alcova, Os 120 Dias de Sodoma e Juliette.

Num começo de noite, sentada em uma mesa na calçada em frente ao Espaço dos Satyros 1, Cléo conversou com o site nesta Entrevista de Quinta, antes de seguir para o ensaio no Estação Satyros. Serena, falou sobre sua volta ao grupo, sobre a crise política que vive o país, sobre a partida da amiga Phedra D. Córdoba e ainda contou a quem pertence atualmente seu coração.


Cléo De Páris em cena de Justine – Foto: André Stefano/Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como é voltar ao Satyros três anos após Édipo na Praça?
CLÉO DE PÁRIS — É uma alegria, porque eu tenho uma sintonia muito boa de trabalho com o Rodolfo [García Vázquez, diretor do grupo]. Sempre tive. Estou voltando em uma outra situação, com um elenco todo novo, pessoas que não conhecia, um elenco gigantesco, quase 25 pessoas. É um texto que tem muitos personagens, o que é ótimo, porque hoje em dia é muito difícil fazer uma peça que tenha muitos atores. Isso é uma delícia. Quando tem cena de grupo, tem mesmo uma multidão!

E como é trabalhar com a galera nova, que eu chamo de Satyros new generation [risos]?
É muito interessante trabalhar com essa galera que está começando, eles têm um impulso.

Como vê este seu afastamento de três anos do Satyros?
Os meus afastamentos do teatro, minhas crises, são constantes. Eu sempre acho que vou desistir. Então, quando dou essas paradas, eu penso: será que vou conseguir voltar? E voltar com esse gás que eles têm tem sido muito especial, uma maravilha.

Como foi recebida nesta volta?
Eles me receberam muito bem. Ficaram muito felizes de eu trabalhar com eles. Alguns me conhecem e têm admiração. Os que não me conheciam já sabiam da minha trajetória no Satyros, então já tinham um respeito pelo que eu vivi aqui. Ficaram felizes em compartilhar esse momento comigo. Em teatro ninguém nunca é melhor ou mais importante que o outro. Eu aprendo muito mais com eles do que eles comigo. Eles são muito criativos e me dão uma injeção de ânimo. Estou vivendo uma experiência leve e bonita. Somos um elenco tão unido que nada abala.

Foi quanto tempo de ensaio?
Começamos em fevereiro. O Rodolfo queria estrear em um mês. Depois viu que não dava. Teve muitos acontecimentos neste meio termo.

Phedra e a amiga Cléo De Páris ao lado de Phedra D. Córdoba em 2014 – Foto: André Stefano/Divulgação

Incluindo aí a doença e a morte da Phedra D. Córdoba…
Sim… Por consequência do falecimento da Phedra adiamos mais uma semana. Acabou sendo um processo muito rápido e intenso…

Como foi viver este momento com a partida da Phedra?
Foi meio desesperador tudo isso. Na cremação, nós mesmos falamos que não tínhamos cabeça para estrear. Foi muito sofrido para todos nós. A gente sabia que ela estava mal, que foi na melhor hora, para ela não sofrer, mas mesmo assim foi muito rápido. Ela foi para o hospital e no mesmo dia partiu. Não teve aquele tempo assim para a gente se despedir dela, por mais que a gente sabe que fizemos o máximo e demos o máximo para ela. Mas sempre a gente acha que falta um tempinho. Toda vez que vejo essa porta [aponta para a portaria do prédio onde Phedra vivia], que entrava para a casa dela, toda vez que sento aqui nesta mesa, e lembro dela à minha frente com um licor de menta e uma taça de vinho, eu lembro dela. A presença de Phedra está impregnada na praça Roosevelt, sua voz, sua peruca, seu perfume. Ela vai ficar aqui pra sempre.

É verdade.
A Phedra fica como uma força. Ela nos deu uma lição tão grande neste período. A força com que ela encarou, a leveza que ela teve para partir, a gratidão, o respeito. Ela deixa muita força pra gente. E acho que isso acompanha todos nós e a mim especialmente. Numa das vezes que fui ao hospital, ela falou [imitando o modo de Phedra falar]: “Cléo De Páris, você vai fazer Justine, que maravilha!”. Eu falei que estava insegura, e ela me disse que eu faria muito bem. No dia em que ela faleceu eu estava pensando se ela conseguiria ir ver Justine, naquele dia em que você me ligou. Quando você me ligou, eu tinha acabado de pegar a notícia e tinha acabado de pensar nela. Mas ela está aqui, presente, acompanhando a gente naquele palco.



A diva e a musa da Roosevelt: as atrizes Phedra D. Córdoba (à esq.) e Cléo De Páris (à dir.), 
em cenas de Édipo na Praça, na praça Roosevelt, de 2013 
 Fotos: Bob Sousa

E você fez o show Phedras por Phedra, que ela viu pouco antes de morrer, no Oficina, aquela linda homenagem…
O Phedras por Phedra foi o momento mais intenso que eu vivi num palco. Foi catártico, mágico, absoluto. Sabe aquele momento que você fala: não falta nada aqui e agora. Tudo está perfeito, tudo está completo, tudo está em harmonia. Nunca tive tanta certeza disso quanto naquele dia. Era para ela, mas ela foi o show, o acontecimento foi ela estar lá. É inesquecível. Até hoje quando lembro me dá um arrepio. Nunca vou me esquecer desse dia.

Voltando a falar de Justine, você chegou a conversar com a Andressa Cabral, que fez o seu papel na versão anterior?
Não conversei, mas gostaria de conversar. Foi tudo muito atropelado, ela também estava estreando no Antunes, em Blanche. Sempre gostei muito do trabalho da Andressa. Talvez seja para conversar depois. Dos quatro textos do Sade, Justine é o que eu mais gosto. Ele toca de outra forma. Nessa peça a vítima tem voz, não significa que vai ser ouvida e agraciada, porque no Sade os maus é que são agraciados, mas ela tem voz, existe, tem força, luta e acredita. Essa diferença faz da peça até mais cruel de uma certa forma. A nossa montagem tem mais humor e psicologicamente tem mais força.

E qual é a historinha da peça?
Justine é um conto de fadas às avessas. É como se ela estivesse num pesadelo, como uma Alice no País das Maravilhas. São duas irmãs muito ricas, que o pai perde tudo, a mãe morre, e daí cada uma escolhe um caminho: Juliette escolhe o caminho dos vícios e a Justine se mantém virtuosa. A Juliette comete assassinatos, vai enriquecendo, matando maridos, ficando ricas, e a Justine vai seguindo no caminho da bondade e tendo muito infortúnios, mas não desiste. Ela é tão a gente. Como é difícil!


Lorena Garrido é Juliette, a irmã devassa de Justine, papel de Cléo De Páris, a protagonista

Foto: André Stefano/Divulgação

E como você enxerga a peça neste momento de tanta tensão política que vive o país, com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e aquela votação no Congresso, que mostrou qual é sua cara?
Acho que é o momento mais perfeito para montar essa peça. O país na mão de pessoas que só estão pensando em seus interesses. Você vê o Cunha [deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados] lá e se pergunta: como ele está na sua posição? E tantas milhões de Justines tentando fazer tudo certo, devolvendo o troco a mais, não falsificando carteirinha de estudante, e estão sempre mal… E tanta gente que desvia verbas e fica tudo bem. Penso como essas pessoas conseguem dormir, tomar café da manhã… É isso que a peça vai falando. A Justine faz tudo sempre certo e parece que o mundo não está para agraciar quem é correto. Ele critica muito a Justiça e a religião, que serve para o mais forte manipular o mais fraco. É muito atual. Sade traça um panorama de como a corrupção se constrói e como o opressor consegue meios cada vez mais facilmente para dominar o oprimido. Gosto de uma frase que li: “o chicote tem dois lados e se torna inútil se faltar uma pessoa em cada um dos lados”. Pensando neste país, neste momento, é muito terrível tudo que vem acontecendo. Eu acho que muita gente vai assistir a peça e se ver na Justine. Eu sou esse brasileiro que está resistindo e não está se deixando corromper, mas não sabe quando um dia vai conseguir o êxito. Parece que o Sade escreveu este texto para ser montado hoje no Brasil.

O que você acha desse clima de jogo de futebol quando o assunto é política?
Virou uma coisa cega. Eu sou desse time e pronto. No dia da votação eu nem liguei a TV. Vi o que as pessoas falavam no Facebook e fiquei com nojo. Não tinha estômago para assistir. Eu pensei: gente, isso parece Copa do Mundo, quando ouvi as vuvuzelas. Não é posição política isso, é posição de torcida. É tão raso, tão pobre e as pessoas não têm mais respeito pelo outro. Às vezes é um amigo seu que, por você ter opinião contrária, te execra, briga com você, te expõe publicamente.

As pessoas estão perdendo os limites éticos?
Sim! É muito triste. Vejo como uma decadência total da condição humana. Não existe o mínimo de respeito. Só no discurso, na prática, todo mundo só está querendo se livrar, se dar bem, mostrar que está certo e tem todo o poder. Todo mundo quer ser poderoso. Quebram-se as relações de confiança, está tudo muito frágil.



Cléo De Páris entre Daiane Brito e Diego Ribeiro em Justine – 

Foto: André Stefano/Divulgação



Como que essa Cléo, que já passou por tudo que você passou, faz teatro hoje?
Sou uma Cléo menos sonhadora do que eu era. O que é muito ruim, porque tira um pouco do que eu tinha. Por isso tenho injeção de ânimo com esses meninos que estão começando. Não acho que tenha perdido a ternura totalmente, mas endureci bastante. Não quero fazer mais qualquer coisa, tem de tocar muito na minha alma. Perdi aquela vaidade de estar em cena. Tem três coisas que não quero na vida em excesso: fama, dinheiro e peito [risos]. Uma vez sonhei que havia colocado silicone e acordei desesperada. Recusei fazer TV. Não tenho essa vaidade de atriz, de querer brilhar no palco. Quis fazer Justine para dizer tudo o que eu penso deste momento no palco. Estou muito forte fazendo este personagem. Estou muito mexida também. Choro muito. Meus sentimentos estão muito confusos.

E de quem é seu coração hoje?
O meu coração hoje é do meu sobrinho Ian. Todo. Eu, quando estou triste, como nesse processo, quando fico chorando, aí penso no Ian e fico mais calma… A gente tem de passar por isso. A vida é um susto. Você tem de passar por isso. Mesmo evitando, você não consegue evitar… Vem da Phedra isso. Quando minhas forças vão se esvaindo, lembro da dignidade da Phedra, da autoestima que ela tinha. Pra frente é que se anda, Phedra era muito isso.

Justine
Quando: Quinta e sexta, 21h; sábado, 23h59. 90 min. Em cartaz por tempo indeterminado
Onde: Estação Satyros – Praça Franklin Roosevelt, 134, Consolação, metrô República, São Paulo – tel. 11 3258-6345
Quanto: R$ 40 (inteira), R$ 20 (meia-entrada) e R$ 10 (moradores da Roosevelt)
Classificação etária: 18 anos



Silvio Eduardo e Cléo De Páris em cena de Justine – Foto: André Stefano/Divulgação

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