O leitor já ouviu falar em dança dos números? Pois é, passei os últimos dias trabalhando na editoria de Economia aqui do Correio e conheci na prática o que é a dança dos números. A cada dia, das várias agências de notícias e do governo federal chegam diferentes informações sobre uma mesma pesquisa, um mesmo índice, taxas etc. E cada um interpreta do jeito que quer, dependendo dos interesses ou do ponto de vista das fontes emitentes. Então começa a dança dos números. Um índice aponta que num período a inflação caiu, o outro pega outro período e diz que ela subiu. Outra pesquisa aponta desaceleração da economia em relação ao ano passado. A agência pega a mesma pesquisa e compara com o mês anterior, que indica o aquecimento da economia. E assim vai.

No entanto, a notícia que mais me chamou a atenção foi o crescimento da classe média. Nos últimos dez anos, 37 milhões de brasileiros saíram da pobreza e passaram a ser classificados como  classe  média, segundo pesquisa feita pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República. Legal, muito bom. 

O que pega é o seguinte: para incluir mais brasileiros nessa classe o governo considera a população que vive com uma renda per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00. Quanto é o salário mínimo mesmo? R$ 622,00. Isto é, mesmo ganhando metade de um salário mínimo o brasileiro é classe média. Maravilha, para o governo, não para quem ganha esse salário. Pelos cálculos federais, 53% dos brasileiros, ou 104 milhões de pessoas estão nessa categoria. 

Até então, eu via a classe média de outra forma. Era aquela família que morava em uma casa simples mas bonita, com todos os eletrodomésticos, carro na garagem, talvez dois e que viajava para a praia nas férias. Será que com uma renda de R$ 1.019,00 é possível ter tudo isso? Na década de 70 e 80 era comum criticar a “classe média burguesa” pelo seu patrimônio. Hoje, já não é possível dizer isso.

Na classificação do governo, quem ganha acima de R$ 1.019,00 está na classe alta. A baixa classe alta ficaria entre R$ 1.019,00 e R$ 2.480,00. A classe alta alta fica acima deste valor. Bom, quem ganha R$ 10 mil é o que então? Nunca foi tão fácil mudar de classe social no Brasil. Uma barbada.
Outra notícia interessante é que a renda dos pobres cresceu mais do que a dos ricos nos últimos três anos. 

A renda média mensal dos trabalhadores subiu 8,3% em relação a 2009, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O rendimento médio passou de R$ 1.242,00 em 2009 para R$ 1.345,00 em 2011, com aumentos registrados em todas as regiões. Ok, a renda do trabalhador aumentou 8,3% em três anos, e a inflação, quanto subiu nesse período? Chutando por baixo eu diria uns 16%, ou seja, o brasileiro continua perdendo. 

É exatamente isso que pensa o seu Zé da Silva, que vive com seu cachorro embaixo de uma ponte em uma avenida de Campinas e não teve sua renda mensal aumentada porque perdeu o emprego na indústria, que reduziu custos devido à desaceleração da economia. Agora seu José está com o nome sujo, como os 41% dos consumidores brasileiros (quase que o total da classe média citada lá no começo), segundo pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).  

Eu acho que esse Brasil é o real. Os números não mentem, são enganados.

Publicado no jornal Correio Popular, dia 29/09/2012

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