O Beethoven é um sarro. Ele é todo marrom, tem o focinho e o peito brancos, o que dá um charme especial para o meu cachorro da raça boxer. Beethoven está ficando velho, tem pouco mais de 9 anos, e a cada dia está mais exigente. 

Um dia percebi que a ração sobrava na tigela. Achei que fosse problema da ração. Troquei de marca e, nada. Ele dava uma ou duas bocadas e ia para o canto deitar com uma cara aborrecida. Notei que a comida não era o problema.

Com a correria diária, estava sobrando pouca atenção para ele. Apesar de ser um cachorro grande e ter uma aparência, digamos, assustadora para desconhecidos, o boxer é uma raça muito sentimental e carinhosa. Gosta de atenção e de brincadeiras. Enchi minha mão de ração e ofereci. Comeu tudo e ficou pedindo mais com o cotoco do rabo abanando.

Repeti várias vezes, até ele ficar satisfeito. Então criei um processo de recuperação para o meu bom velhinho. Abri as portas da casa. Ele passou a frequentar a sala e até os quartos, para horror dos meus filhos e da minha esposa. Quem gostou foi meu filho caçula Enzo. Ele adora o Beethoven, apesar do seu porte gigantesco e do jeito estabanado de brincar. Virou rotina, o Beethoven fica algumas horas da noite na sala, deitado aos meus pés. Passado o momento em família, coloco-o para vigiar a casa. “Beethoven, é hora de trabalhar”, diz o Enzo.


Essa minha relação com os animais vem de longe. Na minha infância, tive a companhia da Diana, uma cachorra perdigueira, para o trabalho e para as brincadeiras. Diana, sempre atenta, evitou várias vezes que fosse atacado por cachorros e cobras nas minhas empreitadas na chácara do meu pai. Toda vez que entrava no mato, ela ia à frente farejando e alertando para o perigo. Ela também era hábil na caça. Lembro de algumas manhãs frias, com o sol coberto pela neblina e a geada cobrindo a grama, em que, eu, meu pai e ela nos embrenhávamos pelos matos para caçar.

Um dos meus trabalhos era levar leite diariamente na canônica, a residência oficial dos padres. Aquele prédio pomposo, cheio de salas, túneis, porões, andares e escadarias, era um templo secreto para mim. Quando a Dona Emília, a governanta, se distraía, eu e a Diana nos embrenhávamos sorrateiramente pelos corredores. Era uma travessura curiosa.

Era a época em que os cachorros faziam sucesso na TV, como o Rim-Tim-Tim e a Lassie. A Diana, é claro, fazia o que queria, mas também era fiel aos meus comandos. Todo final de tarde brincávamos no potreiro que existia em frente à minha casa, também pertencente à canônica. Ela adorava perseguir os quero-queros que moravam ali.
Nas noites de Inverno, deixava-a dormir na cozinha, atrás do fogão a lenha. Meus pais não gostavam muito, mas faziam vista grossa. Às vezes, fazia um ninho pra ela na varanda com sacos e panos velhos. Assim como a Diana da minha infância se foi, um câncer levou meu velho amigo boxer, para tristeza de toda a família. Espero que os dois estejam brincando bastante agora.

2 Comentários

  1. Caro Jorge

    Foi com grande emoção que li sua crônica de hoje 9/6, sobre o velho Boxer. Fazem 30 dias que perdi meu velho Billy, boxer tigrado que morreu de velhice com 13 anos. Foi um dos melhores amigos que tive, durante toda sua existencia só nos proporcionou alegria, o boxer é de fato tudo o que você relata e ainda mais, é tremendamente amoroso e fiel aos donos, acompanhou a infância e adolescencia de meu filho, prolongou a vida de meu sogro já idoso que o adorava, foi ao contrário do Beethoven, criado dentro de casa, humanizou-se, percorria todos os comodos da casa, porém cumpria suas funções de cão de guarda não deixando estranhos aproximarem-se do portão, gostava de colocar as duas patas dianteiras em meus joelhos quando eu sentava para que falasse com ele prestando toda atenção como se compreendese tudo.
    Sua falta ainda é muito sentida, todos lembram-se dele todos os dias, porém a vida deles infelizmente é mais curta , 13 anos em um cão de porte médio significam 90 anos em um humano.Encaro a homenagem que fez ao seu boxer tambem como uma homenagem ao meu.
    Moro em Campinas a mais de 30 anos,leio sempre seus artigos e sei que é do sul com eu que sou do oeste catarinense, filho de gaucho, acostumado na infância a comer pinhão na chapa do fogão de lenha ou de fazer sapecada no mato com as grimpas dos pinheiros e a caçar passarinhos, quanta saudade.

    Um abraço

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  2. Olá voce me fez chorar, tenho 2 boxer e amo eles de mais , ´so de pensar que um dia irão em bora já comecei a chorar.


    um abraço Fernando

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