Com a proximidade da Páscoa, lembrei de alguns rituais muito bonitos, como a procissão de velas e a colheita de macela, tradicionalmente realizada na Sexta-Feira Santa. Meu pai me acordava cedinho, ainda escuro, tomava seu chimarrão, calçava as botas, vestia o casaco, chapéu e íamos a pé colher ramas de macela, uma plantinha de folhas amarelas consideradas medicinais, na chácara ou nas montanhas que cercam Cotegipe. Geralmente a manhã era fria, com neblina e orvalho na grama. Aliás, o orvalho é muito importante, pois a macela deve ser colhida antes de ser banhada pelos raios de sol, assim ela mantém suas propriedades medicinais. Lembro que eram muitas as famílias percorrendo os arbustos em busca da macela. Para as crianças,era uma festa. Aqueles que não conseguiam encontrar, ou estavam impossibilitados fisicamente de ir procurar, acabavam comprando maços de macela de guris da "reserva" que ofereciam de casa em casa. Meus pais faziam cara feia, pois não sabiam a procedência e muito menos se haviam sido colhidos antes de o sol chegar. Comprar a planta não era politicamente correto. Acho que ainda hoje tem gente que vende macela. O tempo passou, cresci, sai de Barão de Cotegipe, meu pai faleceu, mas esta tradição não esqueci. Aproveitei para contar para meus filhos este ritual. Eles adoraram e pensam em passar a próxima Páscoa em Cotegipe para poder fazer a colheita. Aqui em Campinas, onde moro, poucos conhecem a macela. Apesar de ser uma forte tradição gaúcha, há indícios de que os gaúchos residentes em outros estados levaram consigo esta tradição. Há alguns anos ganhei da mãe um maço de presente. Como manda a tradição, pendurei-o na cozinha. As visitas ficavam curiosas em saber pra que servia aquela planta e suas propriedades medicinais. Diz a Tradição que ela é muito boa no combate a má digestão, ao alívio de dores de cabeça e até como proteção a queda de cabelo. Lembro que inúmeras vezes tive que tomar o famoso chá, preparado com todo carinho pela mãe. O gosto não era muito bom, mas era um santo remédio. Antes de escrever este artigo fiz uma pesquisa na internet sobre a planta, pois estava em dúvida sobre a grafia: marcela ou macela. As duas formas estão corretas. Seu nome científico é Achyroclien satureioides, mas também é conhecida como macela-do-campo, macelinha, macela-amarela, camomila-nacional, carrapichinho-de-agulha, marcela, losna-do-mato, macela-do-sertão e chá-de-lagoa. Para minha surpresa, descobri que a colheita da macela pode estar com seus dias contados no Rio Grande do Sul. Uma das principais causas é que ao invés de colher os galhos, o povo arranca a planta com raiz e tudo. Outro fator, segundo especialistas gaúchos, é que a macela é apanhada justamente no período de floração, impedindo que o ciclo natural se complete. Conclusão: poderá faltar marcela daqui a alguns anos. Na minha infância não era muito fácil encontrá-la. Imagine agora. A solução é plantar macela no quintal para não ficar sem na Sexta-feira Santa. É uma tradição que não pode acabar.

8 Comentários

  1. Belas lembranças Jorge, tambem passei por tudo isso. É uma linda fase de minha vida que perdura para sempre. Grande Barão, de verdade.
    Itacir Longo

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  2. Obriga Itacir, mas estou curioso em saber se ai na sua região existe a tradição de colher a macela na sexta-feira santa. abraços

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  3. Jorge fiz comentário mas não está aparecendo, com relação a marcela é uma tradição que se perpetua em nossa região. Ultimamente não se encontra muita marcela; além dos casos que você mencionou, cito os inseticidas e secantes utilizados pelos agricultores como mais um motivo da diminuição desta planta em nossa região. A imprensa mencionou que a marcela em excesso é prejudicial mas moderadamente continuaremos a utilizá-la.

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  4. Grande Armando,
    será que o comentário é esse que aparece acima? Ou é outro?
    abraços
    Jorge

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  5. Jorge, infelismente a Marcela, não existe nesta Região do Mato Grosso, onde moro. Talvez devido o calor intenso o ano inteiro 35 a 40 graus. a Marcela consumida aqui vem do Rio Grande amado, mas não acredito que foi colhida antes do nascer do sol e no dia certo.

    um grande abraço.

    Itacir Longo

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  6. Sou o Ciro Toaldo, nascido em Capinzal SC, mas atualmente estou em Naviraí MS.Fiquei deverás emocionado com seu artigo, pois, nos meus bons tempos de guri, fiz acolheita da macela e, desejou o destino que nessa sexta-feira santa de 2009, estivesse em Capinzal e lá fosse colher essa planta; para a surpresa desse que cos escreve, vi inúmeras pessoas fazendo a colheita, isso era cinco e trinta da madrugada. Caro Jorge, quero dizer que irei fazr uso de parte de seu artigo, pois, escrevo para o jornal lá de Capinzal e, você deve perceber que irei escrever sobre esse assunto.
    Valeu do professor Ciro José Toaldo
    Obs. A partir de amanhã você poderá ver o artigo em meu blog
    http://cj.toaldo.zip.net
    conto com sua visita.

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  7. Caro prof. Ciro, obrigado pela visita. Essa tradição é muito bonita e deve continuar. Fico contente por ter inspirado seu artigo. Já visitei seu blog e gostei. Amanhã vou visitá-lo novamente para ler o artigo. Vamos conversando..
    abraços
    Jorge Massarolo

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  8. Notícia da Zero Hora:
    "Quem acordou cedo na Sexta-Feira Santa precisou tirar o agasalho do armário. O friozinho típico de outono marcou presença na maior parte das cidades do Estado. Em Erechim, na região Norte, quem participou da tradicional venda da macela precisou de casacos e toucas, para aquecer a manhã. Às 7h, a temperatura era de 14°C, mas nem o surgimento do sol serviu para melhorar a sensação térmica com a queda de mais de 10 graus na temperatura, aliada ao vento.

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