O Beethoven é um sarro. Ele é todo marrom, com o focinho e o peito branco, o que dá um charme especial para o meu cachorro da raça Boxer. Beethoven está ficando velho, tem pouco mais de nove anos, e a cada dia está mais exigente. Um dia percebi que a ração sobrava na tigela. Achei que fosse problema da ração. Troquei de marca e nada. Ele dava uma ou duas bocadas e ia para o canto deitar com uma cara aborrecida. Notei que a comida não era o problema. Com a correria diária, estava sobrando pouca atenção para ele. Apesar de ser um cachorro grande e ter uma aparência, digamos, assustadora para desconhecidos, o Boxer é uma raça muito sentimental e carinhosa. Gosta de atenção e brincadeiras. Enchi minha mão de ração e ofereci. Comeu tudo e ficou pedindo mais com o cotoco do rabo abanando. Repeti várias vezes, até ele ficar satisfeito. Então criei um processo de recuperação para o meu bom velinho. Abri as portas da casa. Ele passou a freqüentar a cozinha, a sala e até os quartos, para horror dos meus filhos e da minha esposa. Quem gostou foi meu filho Enzo, de três anos. Ele adora o Beethoven, apesar do seu porte gigantesco e do jeito estabanado de brincar. Agora virou rotina, o Beethoven fica algumas horas da noite na sala, deitado aos meus pés. Passado o momento em família, coloco-o no quintal para cuidar da casa. “É hora de trabalhar Beethoven”, diz o Enzo. Essa minha relação com os animais vem de longe. Passei boa parte da infância com uma cachorra preta, da raça perdigueira, chamada Diana. Era minha companheira para o trabalho e para as brincadeiras em Barão de Cotegipe. Diana, sempre atenta, evitou várias vezes que fosse atacado por cachorros e cobras nas minhas empreitadas na chácara do pai. Toda vez que entrava em um mato, ela ia à frente farejando e alertando para o perigo. Ela também era hábil na caça. Lembro de algumas manhãs frias, com o sol coberto pela neblina e a geada cobrindo a grama, em que eu, meu pai e ela nos embrenhávamos pelos matos de Cotegipe. Na verdade, o pai queria era tirar a ferrugem da velha espingarda 24, cano duplo, e fazer a Diana aperfeiçoar o faro. Um dos meus trabalhos era levar leite diariamente na canônica, a residência oficial dos padres. Aquele prédio pomposo, cheio de salas, túneis, porões, andares e escadarias, era um templo secreto para mim. Quando a Dona Emília, a governanta, se distraia, eu e a Diana nos embrenhávamos sorrateiramente pelos corredores. Era uma travessura excitante e curiosa.. Era a época em que os cachorros faziam sucesso na TV, como o Rim-Tim-Tim e a Lassie. A Diana, é claro, fazia o que queria, mas também era fiel aos meus comandos. Todo final de tarde brincávamos no potreiro que existia em frente à minha casa, também pertencente à canônica. Ela adorava perseguir os quero-queros que moravam ali. Hoje o local virou um árido estacionamento. Nas noites quentes de verão ela corria ao lado da minha bicicleta nos passeios noturnos pelas ruas de Cotegipe. Nas noites de inverno, deixava-a dormir na cozinha, atrás do fogão a lenha. Meus pais não gostavam muito, mas faziam vista grossa. Às vezes fazia um ninho pra ela na varanda com sacos e panos velhos. Assim como a Diana da minha infância se foi, um câncer acaba de levar meu velho amigo boxer, para tristeza de toda a família. Espero que os dois estejam brincando bastante agora.

1 Comentários

  1. Jorge até Eu fiquei triste com a morte do Beethoven é uma perda irreparável para quem ama um Boxer.
    Tenho um Boxer que se chama Moleque, mete medo pelo tamanho mas é muito dócil, sabe que para passear com ele na praça da liberdade em frente de casa ele é conduzido somente pela boca, seguro uma borracha uns doi metros do chão ele apocanha e nós andamos até ele cansar.
    Nada contra outras espécies de cachorros grandes mas o boxer é mais confiável.
    A minha filha Silvia quando tinha um ano foi mordida no rosto por um cachorro que Eu tinha muito bonito ; não era boxer.

    Armando

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