A goiabeira da praça morreu. Depois de no mínimo 35 anos de serviços bem prestados às crianças da vila, ela se entregou. O tronco, crescido num canto da praça, ainda sustenta seus galhos secos e retorcidos, sem folhas e sem vida. Não era uma goiabeira qualquer, até porque ela nunca foi muito de dar frutos. Era uma árvore para crianças. Tinha lá uns quatro metros de altura e a divisão do seu tronco em galhos começava a um metro do chão. Era a miniatura de árvore que atraía a criançada.

Noventa e nove por cento das crianças que moraram na vila, alguns hoje com mais de 30 anos, brincaram nos então vigorosos galhos da goiabeira. Meus filhos fizeram isso e citar o nome de todas as crianças preencheria esta página. 

Para elas, subir em seus galhos era como dar os primeiros passos no mundo selvagem. Ali no alto estavam a salvo dos “vorazes” cachorrinhos com quem brincavam. Também era um ato destemido subir perante os colegas. Quem não conseguia era alvo de gozação. O escalador se sentia um verdadeiro Tarzan. Em seus galhos se balançavam, faziam malabarismos, pulavam e muitas vezes deixavam os pais com os cabelos em pé.

Lembro de um vizinho que tinha três filhos. Os dois maiores viviam em cima da árvore mas o menorzinho não conseguia de jeito nenhum. O pai não teve dúvidas, pregou umas tabuinhas na árvore e fez uma escadinha para o moleque subir e sentar no primeiro galho. Foi a glória.

A goiabeira tinha outras funções também. Nas festas juninas, a bancada de comida era colocada sob seus galhos, que também serviam para pendurar as lâmpadas e iluminar as guloseimas. Nada de food trucks. Quem foi a uma festa na Vila São João sabe disso. Estudantes também aproveitaram para montar uma pequena churrasqueira perto da goiabeira. Ficou por lá anos.

Ninguém sabe exatamente o que matou a goiabeira das crianças. Sua morte foi percebida recentemente. Às vezes, acho que ela foi sufocada pelas gigantescas árvores que orbitam ao seu redor e deixam passar pouca luz do sol. Mas não sou especialista em árvores. Às vezes, acho que foi a tristeza de ter sido abandonada pelas crianças das gerações X, Y, Z, que não estão muito interessadas em subir em árvores. Espero que não. 

Outra noite, vândalos deram o golpe final na pobre goiabeira. Da sala de casa, ouvi vozes e o barulho de galhos secos sendo quebrados. Abri a janela e o que vi me deixou muito triste. Dois rapazes, que certamente não têm o menor amor pela natureza, haviam quebrados vários galhos da goiabeira para fazer uma fogueira. Senti como se estivessem quebrando meus braços. Doeu muito. 

Felizmente, sei que a goiabeira deixou um legado na memória de crianças hoje adultas que estão espalhadas pelo mundo. Certamente, ela continua viva e verde em suas lembranças. Quem sabe, uma deles acabe plantando uma goiabeira em seu quintal ou em uma praça.

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