Sobreposição de fotos entre 0h21 e 0h25 do dia 5 mostra chuva elétrica em Campinas
 (Foto: Rafael Coutinho)

Nasci e cresci em uma região do Rio Grande do Sul propensa a grandes tempestades. Volta e meia o céu ficava escuro e chover granizo e destelhar casas era fato corriqueiro. A destruição em larga escala ocorrida domingo, em Campinas, algo nunca visto, reavivou episódios daquela época.

Como todas as construções típicas do interior do Sul do País, morávamos em uma casa feita com paredes duplas de madeira, cujo telhado tinha grande inclinação para evitar acúmulo de neve, coisa que aconteceu umas duas vezes. Seguindo o padrão dos colonos vindos da Europa, elas eram construídas sobre um espaçoso porão, e sob o telhado, havia um grande sobrado. Tudo isso dava uma altura considerável às casas, o que as tornava frágeis diante dos constantes temporais que assolavam e ainda assolam a região Sul.

Naquela época, havia uma crença católica, e acredito que ainda exista, de que a reza das crianças poderia proteger as casas da destruição pelos temporais. Então, era comum as mães acordarem os filhos na madrugada, em plena tempestade, para rezarem a Nossa Senhora.

Era um cenário assustador para crianças e também adultos. Lá fora, o vento torcia as árvores e o granizo batia forte nas paredes, querendo entrar a todo custo. A única luz era das velas e dos relâmpagos que rasgavam insistentemente a escuridão. Quanto maior a trovoada, mais alta era a reza e maior o medo. Enquanto isso, a mãe caminhava pela casa queimando ramos bentos de oliveira em súplica para que o temporal acalmasse.

A força do vento fazia as paredes de madeira rangerem e dava a impressão de que a qualquer momento a casa iria pelos ares, mas era só a sensação de criança, pois estava solidamente cravada no chão. O quadro dantesco tinha como trilha sonora os estrondos das trovoadas.

Hoje, acredito, já não se comete mais essa injúria com as crianças, mas a queima dos ramos bentos continua. A fé pode ajudar sim, mas o homem precisa se curvar diante da natureza para evitar que esses fenômenos extremos se repitam. Só assim estaremos a salvo de mais desastres. Por muita sorte não tivemos vítimas fatais em Campinas.

Ontem, uma estudante que fazia um trabalho escolar sobre o clima me fez várias perguntas sobre o fenômeno das microexplosões ou tornados, ocorridos em Campinas. Fui explicando a ela o que sabia, até que ela fez a pergunta chave.

— Isso tudo está acontecendo por que a gente está poluindo o planeta Terra?


Crônica publicada no jornal Correio Popular (Campinas, SP) em 09/06/2016

4 Comentários

  1. Verdade... lembro da Mãe queimando os ramos de oliveira, benzidas no domingo de ramos... ficávamos debaixo da mesa quanto a tempestade era muito forte... o que mais me assustava não era a tempestade, mas o uivo do vento minuano... esse sim, gostaria de voltar ainda a ouvir esse som, não para sentir medo, mas, para ouvir a natureza fazendo seu trabalho... parabéns pela lembrança, muito propícia nestes dias em que parece que a natureza sulista, faz visitas em outros rincões... abraços!!!

    ResponderExcluir
  2. Muito bom Gladimir, obrigado pela participação, abraços

    ResponderExcluir
  3. Salve, índio velho. Belos escritos. Para comentar acrescento as lidas de minha mãe, que, em dia de tempestade, queimava "palmas de Sta. Rita"..
    eu, criança, contestava o ato, pois achava que as chuvas e raios faziam parte de tudo.. Forte abraço. Cláudio Ruggeri.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grande amigo Cláudio gaúcho, mas que vive em Campinas. Obrigado pelo comentário, que é sempre bem-vindo. forte abraço

      Excluir

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem