O Corcel rodando em estrada de Campinas: longe de casa  (Foto: Rogério Capela)

Dia desses estava parado no semáforo, distraído, ouvindo música, quando ouço uma buzinada. O som partiu de um desses caminhões de transporte de dinheiro. Não entendi. Será que estão me confundindo com assaltante? A buzina soa forte novamente e então noto o motorista do carro-forte esfregando o polegar e o dedo indicador. Ah, entendi. Quer saber se vendo meu carro, um clássico Corcel ano 1975. Sorrio e aceno dizendo que não. Ele responde com um positivo, abre o sinal e vamos embora.

Cena parecida como esta costuma acontecer uma vez por semana. Basta parar num semáforo que lá vem conversa. Primeiro elogiam o carro (está lindo, inteiro, conservado), querem saber a história dele e quando conto eles mesmo dizem: “Ah, então não está à venda por preço nenhum”. E não está mesmo.

O belo Corcel serviu até para capa do CD da banca de rock da minha filha

O carro também desperta muitas lembranças em jovens e idosos. “Já tive dois e nem se compara com estes carros de hoje. Faz o mesmo serviço que eles, que estão cheios de tecnologia”, disse um senhor. E quando são jovens vem outro tipo de observação. “Esse carro lembra meu pai, que adorava o Corcel”. “É uma bela lembrança do passado da minha família”, disse outro. Outro dia estava estacionando o Corcel no shopping quando passou um sujeito num Mercedes e gritou: “Baita carrão, hein meu?”.

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Já deu pra entender que mais que um pedaço de lata, o Corcel tem uma história para muitas pessoas, assim como para mim. Foi o primeiro e único carro do meu pai, que só conseguiu comprá-lo depois de muita economia, lá por volta dos 50 anos. Foi seu xodó e meu grande presente na adolescência. Todo sábado me oferecia para lavar o carro e assim poder dirigir um pouquinho. Meu pai levou mais de 30 anos para chegar aos 100 mil quilômetros. Com a morte dele e posteriormente da minha mãe, insisti com meus irmãos para ficar com ele. Naqueles blocos de ferro montados sob uma tinta azul “metálica” (na época, uma pintura chique) está um pouco da história da família.

Em 2009, fui buscá-lo em Barão de Cotegipe, no Norte do Rio Grande do Sul. O hodômetro marcava pouco mais de 100 mil km. Era um sábado de Inverno, com muita chuva e frio, quando o coloquei na BR-153 para rodar mil quilômetros até Campinas. Rezei para meus pais me ajudarem na jornada e pisei maciamente no acelerador. Eu estava tirando o velho “azulão” de sua zona de conforto, onde havia vivido 34 anos, e levando-o para um terreno desconhecido. Tinha que ser paciente. A viagem foi um sucesso. Ele rodou tranquilamente todo o percurso.

Em uma Campinas povoada por carros de extremo luxo e requinte, como Ferrari, Audi, BMW, Honda, Mercedes, Toyota, o Corcel chama a atenção por ser singular, por ser o avesso. Em uma dessas conversas de semáforo um motoqueiro fez a seguinte observação: “Tá vendo aquela perua enorme ali na frente? O motorista tem todo o conforto e tecnologia lá dentro, mas também vive numa prisão sobre rodas, pois jamais vai poder andar de vidro aberto, como você está fazendo e ficar conversando com alguém no semáforo. Ele é prisioneiro do próprio carro.” Esta é a história do Corcel.

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