A morte dela foi um marco. Desde então, ele nunca mais havia voltado para sua terra natal, mas ele sabia que o retorno era inevitável. E aconteceu. A cada curva da montanha que descia em direção ao encontro do seu passado, cargas de lembranças desciam junto. Era impossível esconder a emoção. Entrar na avenida principal exigiu um espírito forte. As ruas já não eram mais as mesmas. As pessoas também não, mas o efeito era o mesmo. Ele se via ali, correndo quando criança, depois com a bicicleta e mais tarde no carro do pai fazendo arruaça com os amigos.


A casa da primeira namorada continua no mesmo lugar. A igreja, imponente, com suas torres gigantescas, ainda está lá, observando todos que habitam a pequena cidade. Procurou andar incógnito pelas ruas. Não foi muito difícil, pois seus velhos amigos também não estão. mais lá. Mesmo assim, se esquivou de possíveis encontros. Não queria conversar. Só sentir emoções. No velho clube, onde se divertiu em muitos bailes e festas, uma luz fraca pendurada no teto ilumina alguns jogadores de “bisca”, um jogo de cartas de colônias italianas.
O antigo cinema, onde assistiu pela primeira vez a um filme, O Dólar Furado, já não existe mais. O prédio de madeira tinha virado uma igreja, depois um bar e, por fim, demolido. O “café”, um bar anexo à rodoviária e que era o ponto de encontro da turma, virou um restaurante e perdeu sua graça.

Passou em frente à casa onde viveu sua infância e adolescência. Ela não existe mais. Apenas uma pequena construção ocupa um cantinho do terreno. Abriu o portão enferrujado, entrou, caminhou alguns passos no que restava da antiga calçada de cerâmica vermelha.
Um turbilhão de lembranças de momentos inesquecíveis com seus pais e irmãos voltou à memória. Reviu cada um deles. Lançou um último olhar em volta e viu que as árvores onde brincava quando criança já não existiam mais. Virou as costas e saiu.
Caminhou automaticamente até o cemitério onde seus pais estão enterrados. A velha foto que os mostrava nos últimos dias de vida foi trocada por outra em que estão mais jovens e com fundo de céu azulado. Dos olhos correram lágrimas. Andou mais um pouco e passou em frente ao colégio onde estudou na infância. Agora só resta uma estrutura abandonada. Há alguns anos as freiras que o administravam desistiram e venderam para um grupo particular. Esses também acabaram desistindo e o colégio fechou as portas. Foi ali que aprendeu a ler, escrever e entender um pouco o mundo. O antigo hospital, que também era administrado pelas freiras, foi fechado e agora virou uma casa de repouso para idosos. Particular.
A noite começou a cair e ele andou até a igreja onde era celebrada a tradicional missa do final do dia. Na adolescência, a missa era um pretexto para encontrar os amigos e marcar onde seria a festa da noite. Do alto da igreja, observou as luzes que começavam a pipocar pelas casas. Uma brisa anunciava a chegada da noite. Pessoas caminhavam para suas casas, sem pressa. Paravam para conversar com o vizinho sentado em frente à casa.Um ou outro carro passava pelas ruas. 
O alarido de crianças que saíam da escola enchia o silêncio do fim do dia. Permaneceu ali, observando esse mundo que tanto vivenciou e que tinha deixado para trás. Pensou se um dia voltaria a viver tudo aquilo. Não se permitiu responder. Entrou no carro e subiu a montanha, deixando para trás uma carga de lembranças esmaecidas junto com o lusco-fusco do fim do dia. No fundo, a certeza de que um dia ele retornará.

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