Ontem à tarde fui na reunião de pais da escola do meu filho Enzo, de 10 anos. Enquanto a professora Ana Paula contava o quanto ele tinha superado obstáculos durante o ano, meus olhos começaram a ficar marejados. De repente, o acumulado de um ano estava involuntariamente saltando pelos olhos. Foi um ano difícil. Logo no começo de 2013 descobrimos que minha mulher era portadora do maligno vírus da hepatite C, mais uma doença silenciosa que só se manifesta em estado avançado. Foi um choque para a família. Provavelmente a contaminação tenha ocorrido em uma transfusão de sangue feita ainda na adolescência. Desde então, o vírus veio silenciosamente minando seu fígado.


A descoberta da doença mudou completamente a rotina da família. O tratamento, com doses diárias de ribavirina, injeções semanais de interferon – que entre outros males causaram anemia profunda, neutropenia e mais uma série de doenças oportunistas -, e muitas vezes de eritropoetina e filgastrina -, é cavalar. É difícil o organismo resistir a tanto sofrimento. Por várias vezes vi minha mulher desfalecer nas minhas mãos. Uma situação desesperadora para mim e nossos filhos. Muitas vezes o Enzo chorou na escola pensando que a mãe fosse morrer. Mas depois se recompunha e, segundo a professora, cumpria todos seus deveres. Um grande herói.


E a Carolina? Além de estudar para o vestibular no final do ano, tinha que segurar as pontas da casa, cuidar do irmão pequeno e zelar pela saúde da mãe. Não foi nada fácil para ela conciliar tudo isso, mas mesmo assim conseguiu passar pela nota de corte da USP. E a Verônica, fazendo faculdade em Bauru, estagiando e tocando projetos de extensão universitária, telefonava todos os dias para saber como a mãe estava, com uma ponta de dor no coração. Sempre que podia, vinha para casa dar seu carinho e atenção. E o Daniel, que largava seu trabalho para pegar o Enzo na escola e depois fazer um revigorante jantar para a mãe. Todo dia estava ali, presente no que fosse possível.

Obviamente tivemos muitos momentos de estresse, desgaste, medo e sofrimento. Várias vezes saímos às pressas para internar a Chris. Também foi possível perceber a ignorância em relação à doença. Muitos “amigos” se afastaram com medo de serem contaminados. Não os culpo. São poucas as informações sobre a hepatite C. O próprio governo não se esforça em esclarecer a doença, que afeta 1,5 milhão de pessoas, segundo dados do Ministério da Saúde. Da infecção até a fase da cirrose hepática pode levar de 20 a 30 anos, em média, sem nenhum sintoma. Esse é o perigo. Geralmente se descobre a hepatite quando é tarde demais.

Quem tem feito um bom trabalho de orientação e divulgação são associações e sociedades de portadores da hepatite C. Este ano, a Associação Brasileira dos Portadores de Hepatite (ABPH) alertou que nascidos entre 1945 e 1965 devem procurar uma unidade básica de saúde e fazer um teste de hepatite C. O alerta foi lançado primeiro nos Estados Unidos, após a constatação de que essas pessoas têm cinco vezes mais riscos de estarem contaminadas. A explicação é que tal geração cresceu numa época em que era comum o uso de seringas de vidro e transfusões de sangue não testados para a hepatite C, só descoberta em 1989.

Enfim, há 15 dias o Enzo chegou na escola e contou feliz que a mãe tinha terminado o tratamento. O fim de um ciclo se fechava. Um alívio para todos nós e, claro, principalmente para a mãe e esposa Chris. O primeiro exame, realizado logo em seguida, mostrou que o vírus da hepatite C tinha sido eliminado do organismo. Mas é apenas uma batalha vencida. A verdadeira derrota do invasor só será confirmada daqui a seis meses, quando o organismo eliminar toda a medicação injetada e o vírus estiver completamente desaparecido. Mas estamos todos confiantes de que ele não vai resistir à força de vontade da Chris de voltar a ficar plenamente saudável. E a família toda está unida contra ele.

PS: Essa vitória foi possível graças aos cuidados da dra. Monica Jacques de Moraes, e das equipes do posto de saúde de Barão Geraldo e da unidade do laboratório Franceschi na Unicamp.

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem