O velho fogão a lenha aquece a cozinha da vovó com as netas
 As diferenças de clima e cultura no Brasil provocam reações típicas de cada região. No Sudeste, quando o inverno chega, há uma corrida às lojas para comprar aquecedores. No Sul, onde o inverno é mais rigoroso, o aquecedor também faz parte dos lares, mas a grande procura é pelo fogão a lenha.  É um fogão de ferro, geralmente esmaltado branco, com uma caldeira no lado esquerdo onde ficam litros de água permanentemente quentes, um forno, uma chapa para colocar panelas, chaleiras etc, e um buraco na qual é embutida uma chaminé de lata que se sobressai no telhado da casa.


Quem conhece um pouco da região Sul sabe que esse utensílio é básico em todos lares. Além de aquecer a cozinha, é no fogão que se faz o almoço, o café, a janta. Ele é o ponto central das casas. É ali, na cozinha, ao lado do fogão, que são recebidas as visitas. Sobre a chapa, para não desperdiçar o calor e a lenha, tem sempre pinhão, batata doce assando, leite quente e a chaleira chiando para chimarrão ou chá.
Minha mãe fazia todas comidas sobre o fogão a lenha. O ritual era o seguinte. Meu pai acordava cedo, com a geada ainda cobrindo as plantas lá fora e ia direto para a cozinha acender o fogo. A lenha, para não pegar umidade, era guardada em uma caixa atrás ou lado do fogão. Quando a cozinha estava aquecida, ele acordava as crianças. Normalmente deixávamos sapatos e meias embaixo do fogão para aquecê-los. A essa altura, a mãe já havia preparado o café no fogão. A chapa estava coberta com iguarias, principalmente polenta com queijo colonial derretido e chocolate (leite) quente. Aquecidos por dentro e por fora, saímos para enfrentar o vento gelado da manhã em direção à escola.
Aí então minha mãe iniciava o preparo do almoço. As panelas com arroz, feijão, carne, batata e outras iguarias cobriam a chapa do fogão. Depois do almoço, a chama diminuía, mas nunca era apagada. As comadres chegavam e a conversa era acompanhada com pipoca, bolos e outras comidas. A noite gelada vinha e a cozinha estava ali, quentinha. A família se reunia em torno do fogão conversando, comendo, ou vendo um pouco de TV, que era retirada da sala, pois naquela época havia uma só para toda casa.
Na chapa, os ingredientes básicos: chaleira,
xícara de chá, caneca de leite e uma batata doce

No dia seguinte, o ritual se repetia. E assim ia até o calor chegar, quando então o fogão era “desligado” no período da tarde. Somente no período da tarde. Acostumado com o ritmo lento e mais saboroso da comida feita no fogão a lenha, minha mãe usava pouquíssimo a chama do fogão a gás. E quando usava, era comum ela reclamar que a comida havia queimado. O fogão a gás veio dividir a cozinha com o fogão a lenha, mas não ganhou muito destaque.
Hoje, há uma discussão em torno dos prejuízos à saúde e ao meio ambiente. Os fabricantes buscam alternativas sustentáveis, como a lenha ecológica, feita com casca de amendoim, resíduos de eucalipto, casca de arroz, bagaço de cana-de-açúcar e inúmeras outras matérias-primas. A vantagem, além de ser ecologicamente correta, estaria no potencial energético, quase duas vezes maior do que o da lenha comum. O fato é que o fogão a lenha vai permanecer por muito tempo sendo o centro de atenção das cozinhas. Pelo menos na região Sul.

Publicado no jornal Correio Popular, Campinas (SP),  15/06/2013

2 Comentários

  1. Olá Jorge,

    Vc brindou Campinas com mais uma coluna saudosa, gostosa, inspiradora.
    Me senti perto do seu fogão a lenha, esperando as comidas gostosas que neles são preparadas.
    Gosto muito dos estados/cidades do sul. Do Rio Grande, em especial, minha esposa e eu somos apaixonados, e para lá viajamos sempre que possível.
    Pude relembrar na memória a descrição de sua rotina, a gente vê muito disso nas casas, pelas cidades e estradas em viagem.
    Como pano de fundo de sua coluna, vi o amor, a vida em família, o cuidado, a sabedoria de estar junto, vivendo a vida, criando e formando pessoas, sem desespero, atropelo, ansiedade.
    Um dia após o outro, repetindo a gostosa e saudável rotina.
    Gostei muito do seu texto. Reavivou minha memória, me inspirou, despertou o desejo de voltar o quanto antes às terras dos pampas.
    Muito obrigado. Continue brilhando, repartindo as suas memórias, suas pérolas, seus textos. Big abraço. Ótima semana.

    Enviado por Walter Quintana, via e-mail

    Visite meu Blog > http://avidaeumvaliosopresente.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. De Claudete Gewehr, via Facebook, 15 de Junho de 2013 -
    Jorge,
    tua cronica de hoje me levou aos meus tempos de criança,bateu uma enorme saudade da infancia pois me criei em um lugar igual ao que tu falastes.

    abraços

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem